SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Info n. 1121
02 de fevereiro de 2024.
DIREITO TRIBUTÁRIO
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu:
ADI 7.400/MT
Tese fixada: “1. O Estado-membro é competente para a instituição de taxa pelo exercício regular do poder de polícia sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento, de recursos minerários, realizada no Estado. 2. É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização.” STF. Plenário. ADI 7.400/MT, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.
E reconheceu que “É constitucional norma estadual que institui taxa para o exercício do poder de polícia relacionado à exploração e ao aproveitamento de recursos minerários em seu território (CF/1988, art. 145, II c/c o art. 23, XI), desde que haja proporcionalidade entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal.” STF. Plenário. ADI 7.400/MT, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.
Síntese do caso:
O Estado do Mato Grosso editou a Lei 11.991/22 para instituir uma nova espécie de taxa para fins de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM). Para o STF há evidente desproporcionalidade, na lei estadual impugnada, entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal de exercício do poder de polícia que seria cinco vezes superior à verificada com todas as demais taxas estaduais.
DO PODER DE POLÍCIA E DAS TAXAS
É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização
COMENTÁRIOS
Professor, gostaria de saber o que é Poder de Polícia? SIM, claro.
Lembrando que o poder de polícia fiscalizatória (Polícia Administrativa) não se confunde, por exemplo, com o da Polícia Militar (Polícia de manutenção da ordem pública), Polícia Civil (Polícia Judiciária) ou Polícia Penal. A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] conceitua o poder de polícia:
Pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança.
Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (DI PIETRO, 2020, pág. 323)
“Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos: polícia de segurança, das florestas, das águas, de trânsito, sanitária etc.” (DI PIETRO, 2020, pág. 323)
O conceito legal do poder de polícia está no Código Tributário Nacional-CTN:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Ressalte-se que a conceituação do Poder de Polícia está situada nas disposições do Código Tributário Nacional, pelo fato de que o exercício deste poder, assim como a prestação de serviços públicos uti singuli podem ensejar a cobrança de taxa, que tem previsão no próprio texto da Constituição Federal (art. 145, II).
O poder de polícia reparte-se entre Legislativo e Executivo.
Em razão dessa bipartição do exercício do poder de polícia, a admirável doutrinadora cita Celso Antônio Bandeira de Mello (2008:809) que define dois conceitos:
em sentido amplo, corresponde à “atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos”; abrange atos do Legislativo e do Executivo;
em sentido restrito, abrange “as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais como as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais”; compreende apenas atos do Poder Executivo. (DI PIETRO, 2020, pág. 324)
Hely Lopes Meirelles e Emmanuel Burle Filho[2], também, conceituam o poder polícia:
Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. (MEIRELLES, 2016, pág. 152)
Em linguagem menos técnica, poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. A função ordenadora da Administração Pública se manifesta pelo exercício do poder de polícia. Assim, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao interesse público, ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.
Os eméritos professores, ainda, citam conceitos de outros doutrinadores:
No dizer de Cooley[3]: "O poder de polícia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais". (MEIRELLES, 2016, pág. 154-155)
Entre nós, Caio Tácito[4] explica que "o poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais".(MEIRELLES, 2016, pág.155)
Matheus Carvalho[5] é defensor do conceito delineado no magistério de Fernanda Marinela[6] como "uma atividade da Administração Pública que se expressa por meio de seus atos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e, na forma da lei, de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas”. (CARVALHO, 2017, pág. 133)
O autor, ainda, faz distinção entre Poder de Polícia no sentido amplo e em sentido estrito: “O primeiro corresponde a toda e qualquer atuação restritiva do Estado, abrangendo tanto os atos do Poder Executivo, como também do Legislativo onde se condiciona a liberdade e propriedade em prol dos cidadãos; e o segundo seria o que denominamos Polícia Administrativa. Em sentido estrito, somente se admite a atuação concreta da Administração Pública que condiciona direitos.” (CARVALHO, 2017, pág. 133)
Para fins de provas de concursos públicos, o Poder de Polícia será analisado em seu conceito amplo, abarcando normas gerais e atos concretos, de natureza preventiva ou repressiva na limitação do exercício de direitos.
Em suma, o que todos os publicistas assinalam uniformemente é a faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado. Esse poder é inerente a toda Administração e se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.
Professor, poderia apresenta alguma definição de Polícia Administrativa? SIM, é pra já, meu querido.
Para definir o conceito, o professor Matheus Carvalho cita o emérito doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello[7] cuja definição é "o poder expressável através da atividade de Polícia Administrativa é o que resulta de sua qualidade de executara das leis administrativas, é a contraface de seu dever de dar execução a estas leis". (CARVALHO, 2017, pág. 133)
Portanto, é o poder que a Administração tem de restringir o exercício de liberdades individuais e de restringir o uso, gozo e disposição da propriedade privada, sempre na busca do interesse público. Em suma, trata-se da restrição do exercício de garantias privadas em razão da busca do interesse coletivo e divide-se em preventiva, repressiva e fiscalizadora:
(a) Preventiva - quando trata de disposições genéricas e abstratas como, por exemplo, as portarias e regulamentos que se materializam nos atos que disciplinam horário para funcionamento de determinado estabelecimento, proíbem desmatar área de proteção ambiental, soltar balões, entre outros. (CARVALHO, 2017, pág. 133)
(b) Repressiva - ao praticar atos específicos observando sempre a obediência à lei e aos regulamentos, como por exemplo, dissolver passeata tumultuosa, apreender revistas pornográficas, entre outros. (CARVALHO, 2017, pág. 133)
(c) Fiscalizadora - quando previne eventuais lesões, como, por exemplo, vistoria de veículos, fiscalização de pesos e medidas entre outros. (CARVALHO, 2017, pág. 134)
Polícia Administrativa x Polícia Judiciária
“Poder de polícia administrativa tem por característica ser uma atividade tipicamente administrativa, de forma que já existe em lei quando o Administrador assim as impõe, relacionando-se diretamente com as intervenções feitas pelo Poder Executivo, quer gerais ou abstratas, como os regulamentos, quer concretas ou específicas, como as licenças e autorizações e que tem por fim o interesse público, através de restrições ao exercício de liberdades individuais e o uso, gozo e disposição da propriedade privada. A Polícia Judiciária tem por finalidade a repressão de ilícitos penais e é estudada pelo direito processual penal. A polícia judiciária incide sobre pessoas e a administrativa sobre bens e direitos.” (CARVALHO, 2017, pág. 134)
Professor, o que se entende por Atributos do Poder de Polícia? Vamos lá.
Maria Sylvia Zannela Di Pietro aponta como atributos do poder de polícia a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade, além do fato de corresponder a uma atividade negativa. (DI PIETRO, 2020, pág. 328)
No mesmo sentido, lecionam Hely Lopes Meirelles e Emmanuel Burle Filho para quem o poder de polícia administrativa tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, tais como: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. (MEIRELLES, 2016, pág. 158)
Discricionariedade - traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. (MEIRELLES, 2016, pág. 159)
Ela está presente no uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores, assim a sanção deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração.
Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. (DI PIETRO, 2020, pág. 328)
É importante observar, que o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamento pertinente. (MEIRELLES, 2016, pág. 159)
Logo, a discricionariedade é s liberdade de agir dentro dos limites legais.
Autoexecutoriedade - faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. O que o princípio da autoexecutoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial. (MEIRELLES, 2016, pág. 161)
Exemplo: quando a Prefeitura encontra uma edificação irregular ou oferecendo perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua demolição, se for o caso, por determinação própria, sem necessidade de ordem judicial para esta interdição e demolição.
Não confunda a autoexecutoriedade das sanções de polícia com punição sumária e sem defesa. A Administração só pode aplicar sanção sumariamente e sem defesa (principalmente as de interdição de atividade, apreensão ou destruição de coisas) nos casos urgentes que ponham em risco a segurança, a saúde pública, em suma, quando haja possibilidade de perecimento do interesse público. (MEIRELLES, 2016, pág. 161)
Excluem-se da autoexecutoriedade as multas, ainda que decorrentes do poder de polícia, que só podem ser executadas por via judicial, como as demais prestações pecuniárias devidas pelos administrados à Administração. (MEIRELLES, 2016, pág. 161)
Coercibilidade - todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção também independe de autorização judicial. É a própria Administração que determina e faz executar as medidas necessárias. (MEIRELLES, 2016, pág. 161)
Esse atributo justifica o emprego da força física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados. (MEIRELLES, 2016, pág. 161)
Professor, entendi certinho o poder de polícia.
Agora o professor poderia falar sobre as Taxas? É claro que sim, acompanhe o raciocínio.
Roberto Caparroz[8] ensina que as “Taxas: são receitas derivadas, obtidas em razão do poder de tributar do Estado, cobradas quando do exercício do poder de polícia ou da prestação de serviços públicos, utilizados ou colocados à disposição do contribuinte, em regime de direito público, com pagamento compulsório por força de matriz legal. Exemplo: taxa de coleta de lixo, taxa de fiscalização de estabelecimentos etc.” (CAPARROZ, 2019, pág. 130)
A justificativa para que o Código Tributário Nacional defina o conceito de poder de polícia reside no fato de que o exercício desse poder configura um dos fatos geradores da taxa, fundamentando-se na disposição contida na Constituição Federal:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
[...]
§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
Nesse andar, vejamos a disposição contida no Código Tributário Nacional:
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. (Vide Ato Complementar nº 34, de 1967)
Em resumo, a taxa pode ser instituída e cobrada pela União, Estados, CF e Município (competência comum).
São dois, portanto, os “fatos do Estado” que podem ensejar a cobrança de taxas:
(a) o exercício regular do poder de polícia, que legitima a cobrança da taxa de polícia; e
(b) a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição, que possibilita a cobrança de taxa de serviço.
De forma bem resumida, vejamos uma definição de “Taxa de Polícia” e “Taxa de Serviço” segundo os ensinamentos do professor Ricardo Alexandre[9]:
Taxas de Polícia
As taxas de polícia têm por fato gerador o exercício regular do poder de polícia (atividade administrativa), cuja fundamentação ê o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, que permeia todo o Direito Público. Assim, o bem comum, o interesse público, o bem-estar geral podem justificar a restrição ou o condicionamento do exercício de direitos individuais. (ALEXANDRE, 2021, pág. 62)
Taxas de Serviço
Da leitura do art. 145, II, da CF/1988, extrai-se que são os seguintes os elementos mínimos necessários para a válida instituição e cobrança de taxa de serviço:
(1) O serviço deve ser específico e divisível;
(2) O destinatário deve utilizar efetiva ou potencialmente o serviço;
(3) O serviço deve ser prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição. (ALEXANDRE, 2021, pág. 64)
Os conceitos de “especificidade” e “divisibilidade”, assim como os de utilização “efetiva” e utilização “potencial”, constam do art. 79 do Código Tributário Nacional:
Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I - utilizados pelo contribuinte:
(a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
(b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;
III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.
Os serviços são específicos quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas. Na prática, o serviço público remunerado por taxa é considerado específico quando o contribuinte sabe por qual serviço está pagando. Isso NÃO acontece, por exemplo, com a "taxa de serviços diversos", cobrada por alguns Municípios. (ALEXANDRE, 2021, pág. 64)
São divisíveis quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários (art. 79, II e III). A divisibilidade está presente quando é possível ao Estado identificar os usuários do serviço a ser financiado com a taxa. Assim, o serviço de limpeza dos logradouros públicos NÃO é divisível, pois seus usuários não são identificados nem identificáveis, uma vez que a limpeza da rua beneficia a coletividade genericamente considerada. (ALEXANDRE, 2021, pág. 65)
Para o autor, pode-se afirmar que um serviço reúne as características da especificidade e da divisibilidade (podendo ser remunerado por taxa) quando para ele é possível, tanto ao Estado quanto ao contribuinte, a utilização da frase: “Eu te vejo e tu me vês”. O contribuinte “vê” o Estado prestando o serviço, pois sabe exatamente por qual serviço está pagando (especificidade) e o Estado “vê” o contribuinte, uma vez que consegue precisamente identificar os usuários (divisibilidade).
Foi com base nesse raciocínio que o STF editou a Súmula Vinculante n. 19: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal".
Ora, se o lixo é proveniente de imóveis, podem-se identificar como usuários do serviço os proprietários de tais bens.
“Os serviços públicos uti singuli têm usuários identificados, ou ao menos identificáveis, sendo sua utilização individual e mensurável. Esse é, essencialmente, o motivo que permite a cobrança da “conta” relativa ao serviço diretamente do seu usuário, seja por meio de exação de Direito Privado (preço público), seja por meio da exação de natureza tributária ora estudada (taxa), como no caso já analisado da taxa pela coleta domiciliar de lixo.” (ALEXANDRE, 2021, pág. 66)
“Já nos serviços públicos uti universi, o benefício abrange indistintamente toda a população, não sendo seus usuários identificados nem passíveis de identificação. Nesses casos, é justamente a impossibilidade de individualizar os destinatários que impede que deles se cobre taxa, de forma que restará ao Poder Público custear a atividade com os recursos advindos das suas fontes gerais de receita, como é o caso dos impostos.” (ALEXANDRE, 2021, pág. 66)
Tome-se, a título de exemplo, o serviço de iluminação pública.
Debruçando-se sobre a matéria, o STF adotou a linha de raciocínio ora exposta e acabou por cristalizar seu entendimento na Súmula Vinculante 41 - "O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa".
Perfeito professor, entendi.
E como ficou a aplicação desses conceitos no âmbito do caso analisado pelo STF? Bora lá.
Entende o STF que deve haver uma adequação lógica entre a hipótese de incidência delineada pela norma e a base de cálculo eleita para as taxas, de forma a suprir os custos estatais, com o alcance de todos os sujeitos passivos objeto do poder de polícia, mas sem deixar de considerar o princípio da capacidade contributiva, ou seja, deve ser definido um critério de proporcionalidade conforme a capacidade de pagamento individual.
Isso porque nem sempre é possível aferir, com precisão matemática, o real custo dos serviços prestados, sendo razoável variar o quantum da taxa em função do tamanho do estabelecimento, do nível de atividade exigido do poder público (maior ou menor grau de controle e fiscalização) ou outro critério apto para a definição do montante cobrado de cada pessoa, em homenagem ao princípio da praticabilidade.
Os critérios de razoabilidade e proporcionalidade também produzem efeitos em sentido diverso, pois o STF já decidiu, pela possibilidade de limitação dos valores cobrados a título de taxa, sempre que estes forem abusivos ou incompatíveis com o custo da atividade pública, em respeito ao princípio constitucional que veda o efeito confiscatório dos tributos. (CAPARROZ, 2019, pág. 128)
A Constituição Federal estabelece como competência comum o registro, o acompanhamento e a fiscalização das concessões para fins de exploração de recursos hídricos e minerais:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
A jurisprudência da Corte (Precedentes citados: ADI 6.211, ADI 5.480, ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787) reconhece como competência material comum a instituição, pelo estado-membro, de taxa que tenha como fato gerador o exercício regular do poder de polícia sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de recursos minerários (art. 23, XI e art. 145, II).
No entanto, o Tribunal fixou orientação no sentido de que essa taxa não deve superar a razoável equivalência entre o custo estimado ou mensurado da referida atuação estatal ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir individualmente, por decorrência da relação de contraprestação inerente à atividade do poder público.
No caso analisado, para o STF, houve evidente desproporcionalidade entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal de exercício do poder de polícia, em especial porque a arrecadação estimada com a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) seria cinco vezes superior à verificada com todas as demais taxas estaduais pelo exercício do poder de polícia. Além disso, a projeção de arrecadação da TRFM indicada pelo governador do estado no projeto de lei ultrapassa cerca de doze vezes a despesa da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico com atividades vinculadas à mineração.
Portanto, a Corte entende que é constitucional norma estadual que institui taxa para o exercício do poder de polícia relacionado à exploração e ao aproveitamento de recursos minerários em seu território (CF/1988, art. 145, II c/c o art. 23, XI), desde que haja proporcionalidade entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal.
Com base nesses entendimentos, o plenário fixou as seguintes teses:
Tese fixada: “1. O Estado-membro é competente para a instituição de taxa pelo exercício regular do poder de polícia sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento, de recursos minerários, realizada no Estado. 2. É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização.” STF. Plenário. ADI 7.400/MT, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.
E reconheceu que “É constitucional norma estadual que institui taxa para o exercício do poder de polícia relacionado à exploração e ao aproveitamento de recursos minerários em seu território (CF/1988, art. 145, II c/c o art. 23, XI), desde que haja proporcionalidade entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal.” STF. Plenário. ADI 7.400/MT, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 33. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes, José Emmanuel Burle Filho. Direito Administrativo Brasileiro. - 42. ed. / atual. até a Emenda Constitucional 90, de 15.9.2015. - São Paulo : Malheiros, 2016.
[3] COOLEY, Constitutional Limitation, Nova York, 1903, p. 829.
[4] TÁCITO, Caio. "Poder de polícia e seus limites”, RDA 2711. V., tb., Clóvis Beznos, Poder de Polícia, São Paulo, 1979
[5] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. - 4. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017.
[6] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo, Niterói, Editora lmpetus,6ª Ed. 2012.
[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo; Editora Malheiros, 26ª ed. 2009
[8] CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado; Coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado)
[9] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed. JusPodivm, 2021.