SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Info n. 1121
02 de fevereiro de 2024.
DIREITO ELEITORAL
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu:
ADI 7.261/DF
“É constitucional resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editada com a finalidade de coibir, no período de eleições, a propagação de notícias falsas através de mídias virtuais e da internet, tendo em vista que o direito à liberdade de expressão encontra limites na tutela do regime democrático e na garantia do pluralismo político (CF/1988, arts. 1º, V, e 17).”
STF. Plenário. ADI 7.261/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.
Síntese do caso:
Cuida-se de ADI ajuizada pelo PGR em face do art. 2º, caput e §§ 1º e 2º; arts. 3º, caput, 4º, 5º, 6º e 8º, todos da Resolução nº. 23.714/2022 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A postulação defende que o TSE invadiu a competência legislativa da União sobre direito eleitoral, inova o ordenamento jurídico mediante o estabelecimento de novas vedações e sanções distintas das previstas em lei, bem como atingem a liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação.
DA JUSTIÇA ELEITORAL
O TSE é competente para editar normas a fim de coibir a veiculação de notícias falsas no período eleitoral
COMENTÁRIOS
Professor, gostaria de saber quais são os órgãos da Justiça Eleitoral? Claro, vamos lá.
Nos termos da Constituição Federal de 1988, estão previstos os seguintes órgãos da justiça eleitoral:
Art. 118. São órgãos da Justiça Eleitoral:
I - o Tribunal Superior Eleitoral;
II - os Tribunais Regionais Eleitorais;
III - os Juízes Eleitorais;
IV - as Juntas Eleitorais.
Professor, a Constituição Federal dispõe acerca das atribuições ou competências do TSE? NÃO, ela não detalha.
A Constituição definiu que a Lei Complementar é que disporá sobre a organização e competência dos tribunais eleitorais:
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
No ordenamento jurídico brasileiro, o Código Eleitoral – Lei 4.737/65, detalha suas principais competências:
Com o objetivo de manter a objetividade e evitar desvios do tema em questão, abordaremos exclusivamente a competência normativa para expedir Resoluções. Para aqueles que desejarem informações sobre o julgamento de processos, recomenda-se a leitura do artigo 22 do Código Eleitoral.
Dessarte, quanto à competência normativa, o Código Eleitoral - Lei 4.737/65 estabelece:
Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado.
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução.
[...]
Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,
[...]
IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;
Como visto, a conjugação das normas mencionadas confere ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a competência para a elaboração de Resoluções.
Professor, essa competência está relacionada ao Poder Normativo? Me querido, a resposta está nas definições a seguir.
Poder Normativo ou Poder Regulamentar
Matheus carvalho[1] ensina que:
O Poder Normativo se traduz no poder conferido à Administração Pública de expedir normas gerais, ou seja, atos administrativos gerais e abstratos com efeitos erga omnes. Não se trata de poder para a edição de leis, mas apenas um mecanismo para a edição de normas complementares à lei. Trata-se de prerrogativa dada à Administração Pública de editar esses atos e permitir sua efetiva aplicação sempre limitada pela lei. Na observação de José dos Santos Carvalho Filho, “ao poder regulamentar não cabe contraria a lei (contra legem) sob pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.” (CARVALHO, pág. 125)
Nesse sentido, somente a lei é capaz de inovar no ordenamento jurídico, criando ou extinguindo direitos e obrigações a todos os cidadãos. A lei é a fonte primária do Direito Administrativo e somente ela estabelece regras, em caráter inicial que obrigam toda a atuação do administrador público.
Para o renomado professor “A doutrina tradicional refere-se a Poder Regulamentar como sinônimo de Poder Normativo. Ocorre que, modernamente, por se tratar de conceituação restrita (uma vez que abarca a edição de regulamentos apenas, excluindo os outros atos normativos próprios da atuação do Estado), o Poder Regulamentar vem sendo tratado como espécie do Poder Normativo. Afinal, além da edição de regulamentos, o Poder Normativo abarca a edição de outros atos normativos, tais como deliberações, instruções, resoluções.” (CARVALHO, pág. 126)
Nesse viés, explica que o Poder Regulamentar é tratado como atribuição típica e exclusiva do chefe do Poder Executivo, enquanto o Poder Normativo é o poder geral conferido às autoridades públicas de editarem normas gerais e abstratas, nos limites da legislação pertinente. (CARVALHO, pág. 126)
Nessa mesma linha raciocínio, para os professores Hely Lopes Meirelles e José Emmanuel Burle Filho “O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado.” (MEIRELLES, pág. 149)
Então, que tipo de ato é uma Resolução? Boa pergunta.
Resolução - como ato normativo, é uma espécie normativa infralegal, ou seja, está abaixo das leis em termos hierárquicos, e é geralmente expedida por órgãos colegiados do Poder Legislativo, do Poder Judiciário ou da Administração Pública com a finalidade de disciplinar matérias de sua competência.
Para o professor Matheus carvalho[2] “Resolução: ato normativo dos órgãos colegiados, usados pelos Poderes Legislativo e Judiciário, e pelas Agências Reguladoras, para disciplinar matéria de sua competência específica". (CARVALHO, pág. 289)
No mesmo sentido, lecionam os mestres Hely Lopes Meirelles[3] e José Emmanuel Burle Filho:
Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admitem-se resoluções individuais.
As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta. (MEIRELLES, pág. 208)
Em suma, Resolução é um ato normativo secundário ou infralegal, editado por autoridades ou órgãos com competência normativa (como tribunais, agências reguladoras, conselhos profissionais ou casas legislativas), que complementa, detalha ou regulamenta normas superiores, com o objetivo de disciplinar aspectos técnicos, procedimentais ou administrativos dentro de sua esfera de atuação.
Professor, matérias de Direito Eleitoral podem ser objeto de Medida Provisória? NÃO.
A Constituição Federal veda a edição de MP sobre matéria de direito eleitoral:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
I - relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Afinal, o TSE tem competência para legislar sobre Direito Eleitoral? Depende, a pergunta é bem ampla.
Como regra geral, segundo a Constituição Federal, cabe à União legislar sobre Direito Eleitoral:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Vimos linhas acima, que o TSE é competente para expedir instruções a fim de dar fiel execução ao Código Eleitoral (parágrafo único do art. 1º), além de outros atos que julgar convenientes (art. 23, IX).
Professor, nesse caso, o TSE invadiu a competência da União para legislar sobre Direito Eleitoral, a Resolução 23.714/22 inovou o ordenamento jurídico? NÃO e NÃO.
Para o STF, não houve usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral, visto que o TSE, ao disciplinar a temática da desinformação, atuou no âmbito da sua competência normativa, por meio do legítimo poder de polícia incidente sobre a propaganda eleitoral (Precedente citado: TPA 39 MC-Ref), em reiteração a diversos precedentes jurisprudenciais e atos normativos próprios.
O fenômeno da desinformação veiculada por meio da internet, caso não fiscalizado pela autoridade eleitoral, tem o condão de restringir a formação livre e consciente da vontade do eleitor.
A disseminação de notícias falsas, no curto prazo do processo eleitoral, pode ter a força de ocupar todo espaço público, restringindo a circulação de ideias e o livre exercício do direito à informação.
O exercício da liberdade no pleito eleitoral deve servir à normalidade e à legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico (CF/1988, art. 14, § 9º), com o intuito de impedir qualquer restrição à consciente e livre formação da vontade do eleitor (Precedentes citados: ARE 891.647 ED e AO 1.390).
Para o Supremo, não há falar em exercício de censura prévia, pois a norma da Resolução 23714/22 prevê que o controle judicial seja exercido apenas em momento posterior à constatação do fato e restrito ao período eleitoral.
Com base nesses entendimentos, o plenário concluiu que:
É constitucional resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editada com a finalidade de coibir, no período de eleições, a propagação de notícias falsas através de mídias virtuais e da internet, tendo em vista que o direito à liberdade de expressão encontra limites na tutela do regime democrático e na garantia do pluralismo político (CF/1988, arts. 1º, V, e 17).
[1] CARVALHO, Matheus. Manual de direlto administrativo/ Matheus Carvalho - 4. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017. 1.216 p.
[2] CARVALHO, Matheus. Manual de direlto administrativo/ Matheus Carvalho - 4. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017. 1.216 p.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes e José Emmanuel Burle Filho. Direito administrativo brasileiro. - 42. ed. / atual. até a Emenda Constitucional 90, de 15.9.2015. - São Paulo : Malheiros, 2016.