SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Info n. 1121

02 de fevereiro de 2024.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu: 

RE 702.362/RS (Tema 580 RG)

Tema n. 580 de Repercussão Geral

"Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de violação de direito autoral de caráter transnacional." STF. Plenário. RE 702.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Tema n. 580 de Repercussão Geral, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.

 

Síntese do caso:

O caso analisado originou-se de um processo criminal em que se discutia a competência para julgar crimes previstos no art. 184, § 2º, do Código Penal, quando há elementos que indicam a transnacionalidade da conduta, em razão da prisão de Agenor em uma rodovia federal de posse de centenas de mídias ópticas (CDs e DVDs) falsificadas. Diante das apreensões, a materialidade delitiva estava devidamente comprovada e o conduzido confessou, em sede policial, que adquiriu o material apreendido no território do Paraguai.

 

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Compete a Justiça Federal processar e julgar crime de violação de direito autoral de caráter transnacional

 

COMENTÁRIOS

Professor, explique o que é transnacionalidade? É pra já.

Transnacionalidade é um conceito jurídico utilizado, principalmente, no Direito Penal e no Direito Internacional, para designar situações, relações ou delitos que ultrapassam os limites territoriais de um país.

Dessarte, podemos distinguir o seguinte: a) Transnacionalidade = transposição de mais de uma Nacionalidade (Paraguai e Brasil); b) Interestadualidade = transposição de mais de um Estado (Santa Catarina e Paraná).

Professor, deixa eu ver se entendi, o que atraiu a competência da JF foi a existência de tratados internacionais? De modo geral, SIM.

Em síntese, devido a transnacionalidade implicar na transposição da fronteira de um país para outro, tem-se:

(1) País de origem - início da atividade criminosa;

(2) País de destino – resultado da atividade criminosa;

Levando em conta as referidas exposições e a ratificação pelo Brasil de tratados internacionais relacionados à repressão de crimes que envolvem direitos autorais, como a Convenção de Berna promulgada pelo Decreto 75.699/75 e a Convenção Interamericana sobre os Direitos De Autor promulgada pelo Decreto 26.675/49 entre outros, é relevante proceder com a análise da disposição prevista na Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

[...]

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente.

Nesse viés, a Corte entendeu que a competência criminal da Justiça Federal prevista no mencionado dispositivo constitucional se materializa pela presença concomitante da assunção de compromisso internacional de repressão de ações delituosas envolvendo o bem jurídico, constante de tratados ou convenções internacionais, e transnacionalidade do delito, configurada quando há transposição de fronteiras, consumada ou iniciada (Precedentes citados: RE 628.624 (Tema 393 RG) e RE 835.558 (Tema 648 RG).).

Ademais, a jurisprudência da Corte firmou-se no sentido da desnecessidade de o tratado ou da convenção definirem todos os elementos do crime, diante da suficiência da previsão de compromisso na repressão de determinada conduta (Precedente citado: HC 86.289.).

Para ampliar o conhecimento, acrescente-se o Tema n. 393 de Repercussão Geral reitera a competência da Justiça Federal:

Questão submetida a julgamento: Competência para processar e julgar suposto crime de publicação, na internet, de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo criança ou adolescente.

Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 109, V, da Constituição Federal, a definição do juízo competente – se a Justiça Federal ou a Justiça Estadual – para analisar e julgar a suposta prática do crime de publicação de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo adolescentes (art. 241-A da Lei nº 8.069/90), por meio da rede mundial de computadores – internet.

Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico, acessível transnacionalmente, envolvendo criança ou adolescente, quando praticados por meio da rede mundial de computadores (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990).” STF. Plenário. RE 628624. Rel. Min. Marco Aurélio, Tema n. 393 de Repercussão Geral, julgado em 29/10/2015 – Info 805 e 990.

Vide também, o Tema n. 648 de Repercussão Geral:

Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.” STF. Plenário. RE 835558/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Tema n. 648 de Repercussão Geral, julgado em 9/2/2017 - Info 853.

Professor, onde está previsto o crime praticado pelo Agenor, no Código Penal? SIM.

Agenor infringiu a norma prevista no art. 184, §2º do Código Penal:

Violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos(Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 1oSe a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 2oNa mesma pena do § 1oincorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Sobre a temática colocada, ainda, é relevante destacar o teor de duas Súmulas do STJ:

Súmula n. 502/STJ (Em vigor): “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.” (SÚMULA 502, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 28/10/2013).

Súmula n. 574/STJ (Em vigor): “Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem.” (SÚMULA 574, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/06/2016, DJe 27/06/2016)

Vejamos, também, a seguinte ementa extraída dos julgados do STJ:

Ementa. HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. REINCIDENTE ESPECÍFICO. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A Terceira Seção desta Corte de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.193.196/MS, representativo de controvérsia, firmou-se no sentido de "considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, § 2º, do Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe à venda CD'S e DVD'S 'piratas'" (REsp n. 1.193.196/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 3ª S., DJe 4/12/2012). 2. Na hipótese, o paciente, reincidente específico, foi condenado à pena de 2 anos, 4 meses e 17 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais multa, pela prática do delito descrito no art. 184, § 2º, do Código Penal. 3. A decisão do Tribunal de origem está em consonância com a Súmula n. 269 deste Superior Tribunal, que autoriza o estabelecimento de regime inicialmente semiaberto aos reincidentes condenados à pena inferior a 4 anos. 4. Além disso, inviável a substituição por penas restritivas de direitos, por se tratar de acusado reincidente específico, como preconiza o art. 44 do Código Penal. 5. Ordem denegada. (HC n. 825.988/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 2/10/2023.)

O professor Victor Eduardo Rios Gonçalves, em sua obra, menciona um julgado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que: “STJ[1] “Se comprovada a transnacionalidade do delito, a competência será da Justiça Federal: “O entendimento firmado nesta Terceira Seção é de que a competência para processar e julgar o delito de violação de direito autoral, previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, quando ausente a transnacionalidade dos bens, sendo, portanto, inexistente lesão a interesses, bens ou serviços da União, é da Justiça Estadual” (STJ — CC 130.602/PR — Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE) — 3ª Seção — julgado em 26.02.2014, DJe 13.03.2014).” (GONÇALVES, 2018, pág. 558)

Em suma, no caso analisado, em face do compromisso internacional assumido pela República Federativa do Brasil em proteger os direitos autorais e as obras literárias e artísticas, a imputação de fatos que se amoldam à infração penal de caráter transnacional atraiu a competência da Justiça Federal.

Ah, entendi professor! :)

Então vamos aprofundar mais pouco.

Causa de aumento de pena

Analisando sob a ótica da Lei de Drogas – Lei 11.343/06, se a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito, o juiz poderá aumentar a pena de 1/6 a 2/3:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;

[...]

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

Victor Eduardo Rios Gonçalves[2] ensina que “O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que podem ser cumuladas as majorantes relativas à transnacionalidade e interestadualidade (incs. I e V do art. 40), quando evidenciado que a droga proveniente do exterior se destina a mais de um estado da federação. Nesse sentido: AgRg no REsp 1744207/TO, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 26/06/2018, DJe 01/08/2018; HC 214942/MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 16/06/2016, DJe 28/06/2016.” (GONÇALVES, 2021, pág. 311)

Por sua vez, a Lei 12.850/13 – Lei da Organização Criminosa, também define a transnacionalidade do delito como causa de aumento de pena:

Art. 1º [...]

§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

[...]

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

Ainda, o autor acrescenta “Se a transnacionalidade dos delitos não foi considerada para a caracterização da organização criminosa, reconhecida em virtude da prática de crimes graves, poderá o caráter transnacional do delito ser reconhecido como causa de aumento (STJ, HC 489.166, Reis, 6ª T., 02/06/2020).” (GONÇALVES, 2021, pág. 1672).

Em suma, o STF concluiu que:

Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de violação de direito autoral de caráter transnacional. STF. Plenário. RE 702.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Tema n. 580 de Repercussão Geral, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.

E

A competência para processar e julgar o crime de violação de direito autoral (CP/1940, art. 184, § 2º) é da Justiça Federal quando verificada a transnacionalidade da ação criminosa (CF/1988, art. 109, V).” STF. Plenário. RE 702.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Tema n. 580 de Repercussão Geral, julgado em 18/12/2023 - Info 1121.

 

[1] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado® : parte especial. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza) 1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Tı́tulo II. Lenza, Pedro III. Série. 17-1367 CDU 343(81)

[2] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves, José Paulo Baltazar Junior ; coordenado por Pedro Lenza. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. (Coleção Esquematizado ®).