TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

TEMAS JURÍDICOS COMENTADOS

Execução Penal

FALTA GRAVE PELA PRÁTICA DE NOVO CRIME DOLOSO

O reconhecimento de falta grave, caracterizado pela prática de fato definido como crime doloso durante o cumprimento da pena, prescinde de trânsito em julgado de sentença condenatória

Vejamos como o TJSC decidiu:

O reconhecimento de falta grave no cumprimento da pena, decorrente de fato definido como crime doloso, não depende do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo suficiente a apuração no âmbito da execução penal, observando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (Tese de Repercussão Geral 758, STF e Súmula 526, STJ).

TJSC. 4ª Câmara Criminal. Agravo de Execução Penal n. 8001254-26.2024.8.24.0020, rel. Des. Mauricio Cavallazzi Povoas, julgado em 30-01-2025 – Info 148.

 

 COMENTÁRIOS 

 Suponha o seguinte

Mairso, que cumpre pena no interior do estabelecimento penal, cometeu falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso, ao ser flagrado na posse de substância entorpecente.

Os fatos foram devidamente apurados pelo Diretor com a observância do contraditório e da ampla defesa. Ao final do procedimento concluiu que o apenado cometeu falta grave nos termos do art. 52 da LEP.

A defesa requereu o não reconhecimento da falta, arguiu o desrespeito ao princípio da presunção de inocência e que era necessário aguardar o trânsito em julgado da nova ação penal para então aplicar as penalidades.

O Juízo da Vara de Execuções penais homologou o PAD e aplicou as sanções legais cabíveis. 

Da Falta Grave

De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), é considerado falta grave o ato cometido pelo condenado à pena privativa de liberdade que:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

II – fugir;

III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV – provocar acidente de trabalho;

V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)

VIII – recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Da apuração e do reconhecimento da falta

Trata-se de infração apurada no âmbito administrativo. Nesse sentido:

Súmula 533, STJ: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. (SÚMULA 533, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)

Assim, pode-se afirmar que o mérito é de natureza administrativa (ato administrativo), referindo-se às infrações cometidas no interior do estabelecimento penal. Ademais, a decisão proferida pela autoridade administrativa está sujeita ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário:

STJ – Jurisprudência em Teses – Falta Grave em Execução Penal III – Edição 145

Tese n. 1. “A decisão proferida pela autoridade administrativa prisional em processo administrativo disciplinar – PAD que apura o cometimento de falta grave disciplinar no âmbito da execução penal é ato administrativo, portanto, passível de controle de legalidade pelo Poder Judiciário.”

Por sua vez, as infrações cometidas durante o resgate da reprimenda em aberto, livramento condicional ou em qualquer outra modalidade fora do estabelecimento penal, em virtude da ausência de supervisão por parte do Diretor, deverão ser objeto de apuração pelo juízo da execução, por meio da audiência de justificação, com a dispensa do PAD no âmbito administrativo:

Tema 941 do STF: “A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena.”

STF. Plenário. RE 972598, Rel. Roberto Barroso, Tema de Repercussão Geral n. 941, julgado em 04/05/2020 – Info 985.

Da falta grave por fato previsto como crime doloso

Além das hipóteses descritas linhas acima, a Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que a prática de fato definido como crime doloso é considerada falta grave:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

É fundamental destacar que a legislação em questão não estabelece qualquer distinção, de modo que o referido dispositivo se aplica tanto para condenados que estejam cumprindo pena privativa de liberdade quanto àqueles com pena restritiva de direitos.

Norberto Avena, com a clareza que lhe é peculiar, ao examinar a matéria, assim pontificou:

“De acordo com o art. 52, caput, 1ª parte, da LEP, constitui falta grave a prática de fato previsto como crime doloso. Na medida em que a lei não faz qualquer distinção, constata-se que o dispositivo é aplicável tanto para os condenados a pena privativa de liberdade como para aqueles submetidos a pena restritiva de direitos. Exclui-se, como se vê, a prática de crimes culposos, nada impedindo, contudo, que essa conduta seja prevista na lei local (art. 49, caput, 2ª parte, da LEP) como falta de natureza leve ou média.” (AVENA, pág. 109)

(AVENA, Norberto. Execução penal. – 5. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018.)

Pergunta: E quanto à prática de crimes preterdolosos, incide a regra do art. 52 da LEP? SIM.

Para o emérito doutrinador “Compreendem-se como tais aqueles em que o agente pratica um crime distinto do que havia projetado, advindo o resultado mais grave de sua negligência, imprudência ou imperícia (v.g., lesão corporal seguida de morte). 5.3.7 Considerando que nessa categoria de crimes há dolo quanto ao crime antecedente (a culpa ocorre em relação ao crime subsequente), incide, à evidência, a regra do art. 52 da LEP.”

Pergunta: Para que seja reconhecida a infração disciplinar, é necessária a condenação e o trânsito em julgado decorrentes da prática do novo crime doloso? NÃO.

Para efeitos de reconhecimento da prática de falta grave durante o resgate da reprimenda, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é possível reconhecer a ocorrência de falta grave no curso da execução penal, independentemente do trânsito em julgado da condenação criminal por fato definido como crime doloso e fixou a seguinte tese:

Tema 758 do STF: “O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave.“

STF. Plenário. RE 776823, Rel. Min. Edson Fachin, Tema de Repercussão Geral n. 758, julgado em 04/12/2020 – Info 1001.

Para o Supremo, não há razão para se condicionar o reconhecimento de falta grave no curso de execução penal, consistente na prática de crime doloso, ao trânsito em julgado de condenação criminal no juízo de conhecimento.

Ademais, a apuração da falta grave demanda a observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

No mesmo sentido, é o teor da Súmula 526 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Súmula 526/STJ: “O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.” (SÚMULA 526, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)

Embora haja quem defenda que essa circunstância configura uma violação ao princípio constitucional da presunção de inocência, prevalece a interpretação de que o incidente executório para a caracterização de falta grave não exige a condenação prévia com trânsito em julgado.

A exigência do trânsito em julgado poderia comprometer de maneira significativa a efetividade do processo de execução penal, considerando o tempo demandado para a solução do processo criminal instaurado para apuração do novo crime.

Além do mais, a imposição de sanção disciplinar não suscita, em hipótese alguma, a análise acerca da culpabilidade do agente, restringindo-se, unicamente, à avaliação do seu desmerecimento de benefício da execução penal em face da conduta adotada.

Em suma, por sua vez, o TJSC decidiu:

O reconhecimento de falta grave no cumprimento da pena, decorrente de fato definido como crime doloso, não depende do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo suficiente a apuração no âmbito da execução penal, observando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (Tese de Repercussão Geral 758, STF e Súmula 526, STJ).

TJSC. 4ª Câmara Criminal. Agravo de Execução Penal n. 8001254-26.2024.8.24.0020, rel. Des. Mauricio Cavallazzi Povoas, julgado em 30-01-2025 – Info 148.

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